Criação extensiva de boi é a causa do fogo em Corumbá

 * Ecio Rodrigues

Da mesma maneira que Corumbá concentra a maior porção da área alagada ocupada pelo bioma Pantanal, equivalente a 37% do total e expressivo 60% da parte sob a responsabilidade do Mato Grosso do Sul, também recebe 75% do fogo registrado nos últimos 30 dias.

Por razões geográficas óbvias Corumbá é a Capital do Pantanal e embora não use essa marca para dinamizar sua economia, com o fortalecimento do turismo e da pesca, por exemplo, a sustentabilidade do cotidiano na cidade depende da ecologia da alagação do Pantanal.

Resumindo, enquanto que para a economia as autoridades locais não conseguem enxergar o diferencial competitivo representado pelo exclusivo e único Pantanal, para o meio ambiente urbano a ocupação da cidade pode ser inviabilizada pela fumaça e calor proibitivos para a vida das pessoas.

Mas a pergunta, repetida às tantas, e respondida com muita dificuldade pela maioria e, sobretudo com constrangedora indiferença pelos gestores públicos, estaduais e municipais, pode ser resumida assim: Qual a causa de tanto fogo em Corumbá?

A resposta rápida e, dessa vez correta, também pode ser resumida assim: a criação extensiva de boi.

Infelizmente e de maneira proposital ou não, algo difícil de aferir, a resposta correta costuma ser contaminada, com perdão da expressão, por uma insistência em afirmar que existem causas naturais e antrópicas para o fogo em Corumbá.

A despeito de haver uma distância absurda entre o quantitativo de fogo vindo de causas naturais, que não passa de 5% dos focos de calor, e daquele fogo usado pelos produtores rurais, que representa o restante 95%, a discussão se volta para as tais causas naturais.

Contudo, não é de se espantar que o 5% de fogo originado por raios e relâmpagos receba atenção especial de todos, inclusive e especialmente dos jornalistas sempre apressados para noticiar tragédias.

Nesse contexto a seca ganha uma relevância especial na ocorrência natural do fogo e ajuda a formar uma ideia-força no imaginário popular de que com relâmpagos e secas não há nada que se possa fazer, melhor se conformar.

Mas, não é bem assim.

E aqui entra outra distração para enfumaçar, com perdão do trocadilho, a identificação da primitiva criação extensiva de gado como causa principal do fogo no Pantanal.

No universo do que se costuma chamar de produção rural entra tanto as atividades praticadas com reconhecida tecnologia, sendo a maioria delas aprimoradas e adequadas à nossa realidade pela excelente Embrapa, como o agronegócio da soja e outros grãos, quanto a superada pecuária extensiva.

É aqui que a porca torce o rabo, perdão pelo trocadilho novamente.

Ocorre que ao ser praticada por pequenos e médios produtores, a criação do boi solto no pasto usa e, como não poderia ser diferente, abusa das queimadas e são defendidos pelos gestores públicos e políticos populistas sob a justificativa, ultrapassada diga-se, da dicotomia entre fogo versus fome, ou queima ou não tem o que comer.

Ao colocar a principal causa do fogo no Pantanal em Corumbá na criação extensiva de gado, a Embrapa e a sociedade poderiam discutir e encontrar uma solução para a umidade e a alagação voltar ao bioma.

Somente com uma pecuária menos extensiva, sem uso de queimadas e com a tecnologia que a Embrapa domina, a tragédia anual do desmatamento na Amazônia e do fogo no Pantanal deixará de ocupar o noticiário sensacionalista.

Finalmente, é possível resolver o trágico problema do fogo no Pantanal apoiando a economia que vem das áreas alagadas, mas sem o boi solto no pasto.

 

*Engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

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