Plantio de café em Reserva Extrativista e desmatamento zero da Amazônia
* Ecio Rodrigues
Não foi a primeira vez e, por óbvio, não será a última que uma
reportagem repleta de equívocos atrapalha a compreensão acerca das causas e
consequências do desmatamento na Amazônia.
Em matéria recente publicada em jornal de circulação nacional o
pouco preparado responsável pelo artigo saudava, com um rol extenso de elogios,
a produção de café na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
Um ícone para conservação da floresta na Amazônia, essa unidade de
conservação inserida no grupo de uso sustentável, recebeu o nome do líder
ecologista reconhecido mundo afora.
A Resex Chico Mendes, como ficou conhecida, foi a primeira unidade
desse modelo de conservação da floresta a ser instituída por Decreto do
Presidente da República, ainda em 1990.
Sua peculiaridade e diferencial frente a uma Estação Ecológica ou
Parque Nacional é que a Resex concilia a presença de uma população tradicional explorando
um ou mais produtos florestais no modo extrativista de produção (nesse caso dois
produtos florestais: borracha e castanha-da-Amazônia).
Única opção com fins comerciais, na Resex a renda do produtor terá
que surgir, sem exceção, da produção florestal, ficando a produção de milho,
arroz, feijão, macaxeira e a vaca destinada à subsistência, podendo algum pequeno
excedente ser vendido no mercado local.
Voltando à equivocada reportagem, a produção de café em uma Resex,
com fins comerciais e em especial para exportação, é terminantemente proibida
pela Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),
ainda em 2.000.
Extrapolando nos equívocos a reportagem sugeria também que o
cultivo de café, uma espécie clonada e estranha ao bioma amazônico, inibiria o
desmatamento. Algo inusitado posto que o café foi plantado onde antes havia uma
floresta.
Reside nesse ponto, na competitividade da floresta, a razão pela
qual as taxas de desmatamento persistem ano após ano na Amazônia.
Borracha deixou de ser um produto para se transformar em apelo
social desde início do século atual e a castanha-da-Amazônia, a despeito de ser
um produto altamente competitivo, ocorre somente em 20% do território do Acre.
Ociosa para o produtor a área de floresta foi desmatada para dar
lugar ao cultivo de capim em uma pecuária extensiva com sofrível produtividade,
que depende de quase dois hectares para criar um boi.
Foi nesse lugar que se deu o contrassenso econômico de dois
hectares da maior biodiversidade florestal do planeta valer menos que um boi, onde
o café está sendo cultivado e contrariando a sensatez e a legislação vigente
será comercializado e fornecerá a renda que o produtor demanda.
Contudo, continuando no raciocínio, em uma propriedade localizada
em um dos muito assentamentos geridos pelo Incra, o café poderá substituir a
falida pecuária extensiva desde que seu cultivo não ultrapasse os 20% da área total
da propriedade, com permissão legal, segundo o que prevê o Código Florestal,
para desmatar.
Por isso, pouco importa se o desmatamento será legalizado ou
realizado à margem da legislação.
Para os países associados à ONU, o que importa é o desmatamento
zero, para evitar que a aquecimento do planeta se intensifique causando
tragédias cada vez mais recorrentes como as alagações e cheias nos rios na
Amazônia.
Entender a dinâmica do desmatamento na Amazônia será o dever de
casa que todo jornalista brasileiro na COP30 terá que dominar.
*Engenheiro
Florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em
Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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