Fim do Florestania no Acre: aliciamento eleitoral não evitou derrocada
* Ecio Rodrigues
Encerrando
uma série de 10, o presente texto sintetiza as discussões sobre o fim do
Projeto Florestania no Acre.
Tomando
por base a teoria sobre o Triangulo de Governo foi possível analisar as razões
para que o Projeto Florestania no Acre, 20 anos e cinco eleições vitoriosas
mais tarde, fracassasse em 2018 e 2022.
Um
mandato governamental de quatro anos, segundo o conceito concebido e
popularizado pelo economista chileno Carlos Matus ainda na década de 1970, será
avaliado pela sociedade com base no desempenho do Projeto de Governo, da
Capacidade de Governo e da Governabilidade.
Quando
os três vértices caminham juntos e em equilíbrio o sucesso do governo estará
garantido, quando não, o fracasso será inevitável.
Projeto
de Governo
é a estratégia para construir o futuro da região.
Fornece
um rumo para a economia estadual, ou um modelo de desenvolvimento que vai
pautar as ações de cada instituição pelo tempo necessário para que as
atividades produtivas planejadas no projeto caminhem sem descontinuidade e com
pouca, ou melhor, sem ajuda do orçamento púbico.
No
caso do Projeto Florestania, os líderes políticos que assumiram o governo em
1999 convenceram os acreanos e por isso venceram as eleições sobre a estagnação
da economia devido aos limites para expansão da pecuária e, de outra banda, que
o progresso do Acre não dependia da convivência com a tragédia do desmatamento.
Por
óbvio, o princípio da saída econômica pela floresta não saiu da cabeça dos
líderes políticos.
O
modelo foi gestado por um conjunto de organizações não governamentais com
suporte científico de instituições de pesquisa e das universidades federais que
atuavam na região.
A
rigor, desde o final da década de 1980 que o efeito nefasto do desmatamento
para criação extensiva de gado ganhara a mídia nacional e internacional,
mobilizando cientistas e técnicos na discussão de um modelo alternativo de
desenvolvimento para a Amazônia.
Dois
legados do Acre são reconhecidos para conceituação do modelo da saída pela
floresta.
Reservas
Extrativistas e a tecnologia de manejo florestal comunitário para sua
exploração foram inventadas no Acre e ganharam o país e o mundo.
Vários
relatórios de pesquisa, dissertações de mestrado e teses de doutorado
comprovaram a superioridade econômica estratégica da biodiversidade florestal
frente a criação de boi solto no pasto.
Defendendo
o pressuposto do desmatamento zero, o Projeto Florestania conseguiu reunir
todos que acreditavam ser possível explorar com técnica apurada sementes,
madeira, fauna e o atual mercado de carbono.
Ou
seja, gerar riqueza e trabalho no Acre com a floresta em pé.
Infelizmente,
após um início identificado com a vocação florestal do Acre, em que a aprovação
da Política Estadual de Floresta e a contratação dos financiamentos junto ao
BNDES, Bird e Bid, são as principais referências, o Projeto Florestania
mostraria sinais perigosos de esgotamento.
Embora
seja difícil estabelecer uma data, pode-se afirmar que até 2006, por força da
herança bendita vinda da mobilização da sociedade civil pelas Reservas
Extrativistas e dos financiamentos bancários condicionados ao desmatamento
zero, a Capacidade de Governo foi direcionada para atividades produtivas
baseadas na biodiversidade florestal.
Capacidade
de Governo
são as instituições que o governo dispõe para tornar realidade as demandas
imediatas e futuras da sociedade. Representa a estrutura física e de
profissionais direcionadas para executar as ações previstas no Projeto
Florestania.
Com
reforço de um expressivo número de técnicos vindo das organizações não
governamentais a Capacidade de Governo disponibilizada para o Florestania era
mais que suficiente.
Não
eram poucos técnicos, estavam bem qualificados e dariam conta da transformação
produtiva do Acre em direção a biodiversidade florestal. Mas algo não
aconteceu.
Faltou
determinação política para evitar perda de esforço. Os líderes políticos, bem
cedo, deixaram a equipe técnica e as instituições à deriva, quando pressentiram
que a pecuária extensiva estava excluída da visão técnica e científica
predominante na execução do Florestania.
Uma
última tentativa de conciliação, de modo a não perder o eleitorado
sensibilizado pela pecuária, movimentou os líderes políticos pela finalização e
aprovação do Zoneamento Ecológico-Econômico, ZEE.
Tentando
unir o impossível científico de se criar boi solto no pasto sem desmatar ou
plantar capim embaixo da floresta, e o improvável político de receber os votos
dos favoráveis e dos contrários ao desmatamento, o ZEE poderia funcionar como a
tábua de salvação. Mas, não salvou!
Aprovado
em 2007 o ZEE demarca o momento histórico, ou divisor de águas como preferem
alguns, determinante para datar o começo do fracasso do Projeto Florestania
enquanto modelo de desenvolvimento.
O
governo propôs e os deputados aprovaram a redução da área de Reserva Legal.
Antes
o pecuarista localizado ao longo das rodovias era obrigado a manter, com
floresta, 80% da área de sua propriedade. O ZEE reduziu para 50% e destinou a
diferença de 30% de solo com floresta para o plantio de capim.
Desde
2007, quando o ZEE passou a vigorar, até 2018, um total de 3.132 Km2
de florestas no Acre foram destruídas sob a chancela do Projeto Florestania.
Não
deixa de ser paradoxal que a mesma atividade pecuária que concentrou tanto
esforço político para barrar o ZEE, terminasse bastante beneficiada por sua
aprovação. Mesmo assim, a despeito de serem privilegiados no ZEE, denúncias de
perseguição ao produtor que queria desmatar foram usadas contra os líderes
políticos do próprio Florestania. Insano não?
Finalmente,
a partir daí a Capacidade de Governo passou a ser direcionada para favorecer a
visão do Projeto Florestania que promovia o retrocesso até a estagnação
econômica, trazida pela pecuária extensiva no final do século passado.
Governabilidade corresponde às
condições políticas e negociações que permitem ao governo obter maioria na
Assembleia Legislativa contando com a aprovação dos parlamentares para vários objetivos
e por duas razões principais.
A
primeira se refere à manutenção do poder, ou da estabilidade política de modo a
evitar sobressaltos e pedido de impeachment que, mesmo quando naufragam,
costumam causar paralisia decisória do executivo por longos períodos.
Evitar
o desgaste é a palavra-chave para conquistar e manter a Governabilidade, o que
exigia uma maturidade que se mostrou inexistente junto às lideranças políticas
do Projeto Florestania.
A
saída, como não poderia ser diferente, foi partir para o agrado generalizado
transformando o Florestania em uma cesta de boas intenções onde todos poderiam
colocar suas ideias.
Difícil
determinar se foi a perda de identidade do Florestania que levou ao fracasso do
projeto em 2018 ou se a Governabilidade conseguida por meio da mesma perda de
identidade que garantiu o sucesso nas cinco eleições anteriores.
Mas a
conclusão é simples, por vontade própria ou imperícia dos líderes políticos da
época a sociedade no Acre deixou de avançar em um momento decisivo de sua
história social, ecológica e econômica que é muito improvável de acontecer
novamente.
Entretanto
não há plano b, o retrocesso ao modelo de desenvolvimento do século passado,
que depende do desmatamento para criar boi solto no pasto, será cobrado em
breve pelos brasileiros de outras regiões e pelo mundo.
Afinal,
na era do carro elétrico, da energia solar, eólica e das hidrelétricas, do
mercado de carbono... o desmatamento zero da Amazônia não é negociável.
*Engenheiro
florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em
Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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