Código Florestal: a lei da insatisfação generalizada
* Letícia Yumi Marques
11/03/2016
Em fevereiro desse ano,
o Programa de Regularização Ambiental (PRA) foi regulamentado no Estado de São
Paulo pelas Secretarias de Meio Ambiente (SMA) e da Agricultura e Abastecimento
(SAA), por meio da Resolução Conjunta SMA/SAA nº 01/2016.
A edição da resolução
conjunta ocorreu menos de quatro semanas após uma resolução exclusiva da SMA
sobre o tema ter sido revogada depois de apenas uma semana em vigor, o que se
deve, segundo veiculado pela imprensa, a pressões de ruralistas.
O recente ocorrido
revela que o cenário de insegurança jurídica que cerca a aplicação da Lei nº
12.651/2012, especialmente no tocante à compensação de reserva legal, cômputo
de áreas de preservação permanente (APP) e áreas de Cerrado, que ainda
prevalecem. Desde sua publicação, há quase quatro anos, o Código Florestal tem
sido objeto de polêmicas e não foi plenamente aplicado.
Ainda em 2012, poucos
meses após sua publicação, a polêmica acerca da legislação florestal chegou aos
tribunais, escancarando a insatisfação generalizada de ruralistas e ambientalistas.
De um lado, produtores
rurais que buscaram regularizar seus imóveis nos termos da nova lei,
valendo-se, especialmente, do acréscimo das APPs ao cômputo da área de reserva
legal e da compensação ambiental; de outro, o Ministério Público (MP) a
sustentar a tese da inconstitucionalidade da Lei nº 12.651/2012, com fundamento
na chamada Teoria da Proibição do Retrocesso, segundo a qual, em tese, uma lei
superveniente não pode reduzir a proteção anteriormente outorgada por outra ao
meio ambiente.
Ações civis públicas e
termos de ajustamento de conduta (TAC) iniciados ou firmados sob vigência da
lei florestal antiga, mas ainda em curso ou em fase de cumprimento no advento
da nova lei, são exemplos das questões que alcançaram os tribunais.
A pressão do MP tem
sido tamanha que, no noroeste paulista, em alguns casos, imóveis sem curso
d'água e, portanto, sem APP, passaram a valer mais que imóveis cortados por
riachos, já que ter APP no imóvel tornou-se sinônimo de problema.
De olho nas usinas de
açúcar, álcool e etanol, alguns promotores de Justiça passaram a pressionar
pequenos produtores rurais, que arrendavam parte de suas terras para o cultivo
de cana. Esses custam ainda a entender por que o MP lhes nega a possibilidade
de incluir as APP no cômputo da reserva legal.
"Por que o Código
Penal pode retroagir para beneficiar bandido, mas o Código Florestal não pode
retroagir para me beneficiar?", questionou-me certa vez um produtor da
região de São José do Rio Preto, interior de SP.
Atentas à necessidade
de segurança jurídica, as Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de
Justiça de São Paulo têm se manifestado, desde 2012, pela constitucionalidade
da Lei nº 12.651/2012, determinando, na grande maioria dos casos, a sua
imediata aplicação.
Contudo, a maioria das
turmas julgadoras do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforma decisões
favoráveis à aplicação do Código Florestal, com base na já mencionada Teoria da
Proibição do Retrocesso, afastando, assim, mais uma vez, a aplicação da nova
legislação.
Ademais, antes mesmo de
completar um ano, o Código Florestal se tornou objeto de três ações diretas de
inconstitucionalidade (ADI), ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República
(PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora o pedido liminar
para suspender a aplicação da Lei nº 12. 651, de 2012, tenha sido negado pelo
ministro Luiz Fux, as ADIs ainda aguardam julgamento. A questão ganhou um novo
capítulo: relator das Ações no Supremo, Fux convocou Audiência Pública para o
dia 18 de abril para tratar da matéria.
Em São Paulo, a
Procuradoria Geral do Estado (PGE) emitiu, em maio de 2013, um parecer com
respostas a questões formuladas pela SMA sobre a aplicação do novo Código Florestal
em território paulista.
Em linhas gerais, o
documento seguiu a regra de prevalência da norma mais restritiva e protetiva ao
meio ambiente, inviabilizando, na prática, a aplicação de importantes
instrumentos da nova lei, em especial a possibilidade de instituição de reserva
legal por meio de compensação ambiental.
Desta sorte, grande parte dos processos administrativos com pedidos de compensação ambiental deixaram de ser apreciados pelo órgão ambiental paulista, à espera da regulamentação estadual sobre o tema, que só ocorreu com a recente edição da resolução conjunta das Secretarias de Meio Ambiente e da Agricultura.
A nova regulamentação,
apesar de mais flexível que o mencionado parecer da PGE, ainda dificulta
bastante a compensação ambiental, restringindo-a muito em comparação com o
texto original da Lei nº 12.651, de 2012.
Ruralistas e
ambientalistas ainda terão que conviver neste cenário de insegurança jurídica
por mais algum tempo. O prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR),
que é requisito para adesão ao PRA, se estende até maio de 2016.
Até lá, ainda que o STF
se manifeste de forma conclusiva com o julgamento das ADIs, questões técnicas,
especialmente relacionadas à regeneração e recomposição de áreas de Cerrado,
podem reacender os debates. Infelizmente, a Lei nº 12. 651, de 2012 não foi formulada
com base nos fundamentos técnicos-científicos necessários para evitar uma série
de problemas jurídicos.
*LETÍCIA YUMI MARQUES é
especialista em direito ambiental da Lee, Brock Camargo Advogados, e professora
convidada de Direito Ambiental do Curso de Direito Imobiliário do Cogeae-PUC-SP
e membro da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável
da OAB-SP
Fonte: Folha de S.Paulo
www1.folha.uol.com.br
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