Biodiversidade florestal trouxe mais riqueza do que o desmatamento
* Ecio Rodrigues
A exploração
de produtos da biodiversidade florestal originou ciclos econômicos que
proporcionaram uma riqueza sem precedentes à Amazônia – e, o mais importante,
sem desmatamento.
O primeiro ciclo
foi o das drogas do sertão, designação genérica para quase uma dúzia de
produtos florestais – entre os quais cacau, castanha, cravo, salsaparrilha, caucho,
pimenta, guaraná – que no século XVII começaram a ser embarcados do porto de
Belém, no Pará, diretamente para os países europeus.
Sem pretensões
de garantir exatidão histórica, pode-se dizer que a importância econômica das
drogas do sertão (incluindo obviamente o cacau nativo) perdurou até pelo menos
o início do século XIX e, especificamente no âmbito da Amazônia, foi sucedida (e
superada) por outro ciclo, o da borracha.
Substituindo
a pequena extração de caucho (seiva semelhante ao látex, mas cuja sangria depende
da derrubada da árvore) e fornecendo um produto imprescindível para a nascente
indústria automobilística, a seringueira brasileira, ou Hevea brasiliensis, passaria a abastecer o mercado internacional.
A produção
amazônica alcança o pico entre 1789 e 1880 e se torna hegemônica no mundo até em
torno de 1910, quando entra em declínio.
Em razão da
limitada produtividade dos seringais nativos (onde ocorrem em média menos de 5
árvores por hectare) e da inviabilidade do cultivo domesticado (devido à presença,
na região, do fungo Microcyclus ulei,
que causa o “mal das folhas”), a borracha amazônica não consegue competir com os plantios asiáticos, que chegam
a mais de 500 árvores por hectare.
Abatida por
uma letargia inesperada, a estrutura dos seringais – que contava com elevado contingente
de trabalhadores extrativistas e aprimorada logística para o escoamento das “bolas”
de borracha defumada por varadouros e rios – foi desfeita, levando a região a
uma retração econômica de magnitude proporcional à riqueza trazida pela borracha.
Nos quase
30 anos entre o fim do período áureo da borracha e a Segunda Guerra Mundial, a
Amazônia se voltaria para a oferta de carne e de derivados da fauna silvestre –
produtos à época disponíveis na biodiversidade florestal com fartura que
parecia inesgotável.
Entre 1945
a 1950 a borracha nativa tornaria a ganhar proeminência, diante da ocupação dos
seringais malásios pelos alemães e da demanda requerida para atendimento da
indústria de guerra.
A retomada
da produção gomífera exigiu a arregimentação de trabalhadores nordestinos, a
urbanização de vilas, a abertura de estradas e ramais e a organização de um
sistema de transporte fluvial de cargas e pessoas – além, claro, do capital (nacional
e internacional) necessário para promover, em curtíssimo prazo, um choque de
investimento na economia da região.
Contudo, passado
o esforço de guerra, a borracha gradualmente desapareceria das estatísticas de
produção da Amazônia, tornando-se mais importante sob o aspecto social do que sob
o econômico.
Era chegada
a hora de outro produto dominar a economia da biodiversidade florestal, a
madeira.
Um genuíno
monopólio da Amazônia, sem possibilidade de ser domesticado ou cultivado em
outras regiões – ou ainda de ter seus usos substituídos por produtos sintéticos.
Todos os
produtos da biodiversidade florestal contribuíram para um dia a Amazônia alcançar
o desmatamento zero, uma das prioridades mundiais depois da celebração do
Acordo de Paris.
Todos os
produtos da biodiversidade florestal geraram mais riqueza per capita do que o
desmatamento para criação extensiva de boi.
*Engenheiro
florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em
Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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