STF devolve credibilidade ao Conama

 * Ecio Rodrigues

Demorou quase 3 anos, mas o STF, em 07 de janeiro último, publicou decisão liminar julgando inconstitucional o Decreto Presidencial 9.806/2019, que reduziu drasticamente a composição do Conama.

Para encurtar a história, o Conama foi criado pela Política Nacional de Meio Ambiente, editada em 1981. Trata-se de um colegiado de ampla participação institucional que funciona como instância máxima do Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente), e cuja atuação é considerada exemplar pelos atores sociais e agentes econômicos envolvidos com o tema ambiental.

No decorrer dos anos o plenário do Conama ganhou maior representatividade com a inclusão de novas instituições, chegando em 2018 a quase uma centena de participantes com direito a voto.

Não é preciso ser especialista para entender a complexidade de um plenário deliberativo com tal amplitude institucional – o que decerto exige mais tempo para discussões e deliberações. Em resumo: quanto maior a representatividade, mais lento o trâmite dos processos.

Por sinal, uma das mais reiteradas críticas ao Conama se referia justamente à lentidão e à dificuldade operacional para a realização de reuniões ordinárias e extraordinárias.

E foi o argumento da eficiência – traduzida em menor custo organizacional e maior agilidade decisória – que motivou a emissão do mencionado decreto presidencial em 2019, quando os gestores federais tentavam entender o funcionamento do Conama.

Na equivocada ideia de que ao órgão deliberativo importava rapidez e não o lastro social conferido por sua representatividade, o governo, apoiando-se no raciocínio fácil, reduziu a composição do amplo e representativo plenário do Conama a apenas 23 instituições com poder de decisão.

O número de ONGs ambientalistas baixou de 11 para 4. Por sua vez, o mandato das 4 representantes que ficaram caiu pela metade, passando de 2 anos (ou 4 com a reeleição) para 1 ano, agora sem chance de recondução. Se antes as ONGs eram eleitas pelas entidades ambientalistas inscritas no CNEA (Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas), depois do decreto passaram a ser escolhidas por sorteio.

Até mesmo alguns órgãos federais foram excluídos. Foi o caso do ICMBio; da ANA (Agência Nacional de Águas) e do Ministério da Saúde. O número de órgãos municipais passou de 8 para 2. Por fim, o decreto acabou com as vagas de conselheiros sem direito a voto ocupadas pelo Ministério Público e pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

Se, por um lado, a perda de representatividade significou menos lastro social e por conseguinte enfraqueceu a credibilidade do Conama, por outro lado, não houve ganho significativo em agilidade operacional que compensasse a perda.

De fato, a experiência de um Conama “ágil” fracassou – fato comprovado nos últimos 3 anos, quando diversas decisões foram judicializadas e boa parte derrubadas por sentenças.

 O aprendizado a ficar registrado é que colegiados como o Conama, que prezam o envolvimento e a participação da sociedade civil e que possuem poder deliberativo, em especial na área ambiental – ou seja, tomam decisões que impactam o cotidiano dos indivíduos – importa mais ampla representatividade do que eficiência operacional.

A conclusão óbvia é que houve perigoso retrocesso institucional no Conama.

Não à toa, esse foi o principal argumento do STF para concluir pela inconstitucionalidade do Decreto Presidencial 9.806/2019 – eis que, para o Supremo:

A legalidade democrática é recente na história da política e do constitucionalismo, por isso requer cuidados e constante vigilância. A supressão de marcos regulatórios democráticos e procedimentos mínimos, que não se confunde com a sua reformulação, configura quadro normativo de aparente retrocesso institucional no campo da proteção e defesa dos direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e de participação democrática.

                A decisão ainda está em sede liminar, mas o plenário do STF já iniciou o julgamento, e considerando que 4 ministros já votaram pela inconstitucionalidade, dificilmente haverá reversão.

         O princípio do retrocesso institucional evidencia que os gestores com mandato conquistado pelo voto podem muito, mas não podem tudo.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR), e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Política Nacional de Meio Ambiente, 40 anos depois

AMARELÃO – Aspidosperma vargasii A. DC., Aspidosperma parvifolium

MUIRACATIARA – Astronium lecointei Ducke.