O metano e a criação extensiva de boi na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Ano passado, quando os EUA – durante a COP 26, na Escócia – capitanearam a celebração de um pacto no intuito de conter o metano lançado na atmosfera terrestre, boa parte dos ambientalistas questionou a iniciativa, classificando-a de propaganda enganosa.

Em pequena medida, o descrédito dos ambientalistas se justificava, pois mais de 70% do metano produzido no planeta provém da pecuária bovina - ou seja, é expelido pelos bois. Resulta daí que o controle das emanações esbarra em entraves tecnológicos, sem contar que esse tipo de intervenção pode afetar a oferta mundial de carne e leite.

A despeito desses empecilhos, todavia, mais de 100 países – entre os quais os maiores expoentes do mercado de commodities agrícolas – aderiram ao “Compromisso Global do Metano”, pactuando o cumprimento de uma meta ambiciosa: até 2030, cortar 30% do volume total de metano a que dão causa.

Por sinal, a participação dos líderes em produção agropecuária era um dos requisitos para a viabilidade objetiva do ajuste. Afinal, num mercado de tamanha competitividade, o país que ficasse de fora obteria, de imediato, valiosa vantagem comparativa sobre os demais.

Como todo mundo sabe, quando o assunto é a mitigação do aquecimento global, o centro das atenções dos cientistas é o CO2, que representa mais de 80% dos gases causadores do efeito estufa e pode permanecer por 100 anos na atmosfera.

O metano, por sua vez, corresponde a uma fração bem menor e se desintegra bem mais rápido (em 12 anos) – por isso sempre ficou em segundo plano. Inclusive, essa foi mais uma dificuldade a ser superada para a adesão dos países, tendo em vista que os efeitos desse gás ainda não foram completamente explicitados pela ciência.

Contudo, já foi comprovado que o metano gera muito mais calor no curto prazo do que o dióxido de carbono; significa dizer que o corte nas emissões poderá levar mais rapidamente à redução da temperatura do planeta.

Em última instância, esse é o objetivo a ser alcançado e aí reside a importância do acordo encabeçado pelos americanos. O desafio, como dito, é desenvolver tecnologias que possibilitem a contenção ou que impeçam o gás de subir aos céus.

De forma associada à pecuária, outras duas fontes originam 80% das exalações mundiais de metano: aterros sanitários e áreas alagadas.

No caso dos aterros, nos últimos 20 anos intensificou-se, para fins de produção energética, o uso do metano derivado dos processos de deterioração biológica ali consumados, e muitas usinas com esse propósito foram instaladas no país, sobretudo em São Paulo.

O mesmo não se pode dizer, entretanto, em relação ao oriundo da degradação de matérias orgânicas submersas, cujo aproveitamento ainda depende de alguma engenharia e de muita pesquisa.

Quanto à pecuária, no modelo intensivo, que se orienta por avançados padrões tecnológicos, o gado não é criado solto no pasto – e, sim, em currais fechados, onde temperatura, umidade e alimentação são controladas. Em tais ambientes, a produção de gases pode ser minimizada por meio da adição de suplementos à ração.

Mas no arcaico e perdulário modelo amazônico da pecuária extensiva, que se vale do desmatamento e destina em média 2 hectares de pasto para cada boi, não há solução. Na Amazônia, a diminuição do metano proveniente da pecuária vincula-se diretamente à diminuição do plantel bovino existente na região.

Nessa complexa realidade, há uma novidade, porém. Trata-se do Decreto 11.003/2022, que instituiu a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano.

A intenção é fomentar o emprego do metano para produção de combustível e de energia elétrica – e desse modo fornecer meios para o país honrar as obrigações firmadas não apenas perante o Compromisso Global do Metano, mas também em face do Pacto Climático de Glasgow e, claro, do Acordo de Paris.

Como incentivo para atrair o investimento em biodigestores a norma prevê, da mesma maneira que ocorre com o carbono, a comercialização de um ativo financeiro transferível, representativo da remoção do gás –  o crédito de metano.

A expectativa é que num futuro próximo esses títulos, assim como outros ativos florestais, venham a ser negociados no mercado regulado de carbono.

Mas isso é assunto para outro artigo.

         

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Política Nacional de Meio Ambiente, 40 anos depois

AMARELÃO – Aspidosperma vargasii A. DC., Aspidosperma parvifolium

GAMELEIRA – Ficus sp2., Ficus gomelleira Gard.