Mercado regulado de carbono no Brasil já começou!
* Ecio Rodrigues
Como contraponto à diretriz de
ocupação produtiva atualmente vigente na Amazônia, baseada no desmatamento para
o cultivo de capim, o modelo representado pela reserva extrativista – categoria
especial de unidade de conservação concebida no Acre no final da década de 1980
– pressupunha a exploração e valoração comercial dos produtos florestais.
Em tal modelo, os serviços
ambientais prestados pelas florestas deveriam ser precificados pelo mercado,
funcionando como contrapeso para influenciar a decisão privada de investimento.
Uma vez adicionados à cesta de produtos
ofertados pela reserva extrativista, esses serviços ambientais – relacionados à
retirada de fumaça da atmosfera, redução da temperatura do planeta e melhora da
qualidade da água fornecida às populações urbanas – elevariam a competitividade
da biodiversidade florestal frente à atrativa (especialmente no curto prazo)
pecuária extensiva de gado.
Adicionalmente – e assumindo-se
que a persistente ampliação do desmatamento legalizado na Amazônia decorre, primordialmente,
da opção de investimento que o produtor faz em favor do boi, levado pela justa expectativa
de lucro rápido –, caberia à política pública fomentar os empreendimentos florestais,
propiciando o surgimento de um ambiente de negócio mais auspicioso que o da
pecuária e interrompendo, por outro lado, o contínuo e perigoso processo de substituição
da floresta por pastos.
Gradualmente, à medida que essa
transformação produtiva fosse se processando, cresceria a participação da biodiversidade
florestal na dinâmica econômica da região, atraindo cada vez mais produtores e
investimentos para o setor e aumentando o valor atribuído à floresta em pé – até
chegar o dia em que um hectare de floresta passaria a valer mais do que um
hectare de pasto.
Esse era o ideal a ser alcançado.
Um ideal que, a despeito de ser viável e factível, não dependia apenas das
forças de mercado, mas sobretudo da ação público-estatal e, por conseguinte, da
vontade política dos gestores – além, claro, da atuação de atores sociais e
econômicos.
Todavia, ao longo dos anos, e mesmo
depois da realização da histórica Rio 92, conferência precursora do debate em
torno do aquecimento global e que deu origem à Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas, a tese que assentava o valor da biodiversidade florestal como antídoto
contra o desmatamento continuou a ser apenas isso, uma tese – e o pior, defendida
e compreendida por poucos e sem espaço de discussão no universo acadêmico das universidades
federais da Amazônia.
Essa situação perdurou no tempo e
não se alterou nem com a assinatura do pioneiro Protocolo de Quioto em 1997, que
representou o passo inicial (e crucial) em direção à valorização comercial das
áreas de floresta.
De sorte que, para a ampla
maioria dos técnicos, pesquisadores, ambientalistas etc. que atuam na região, a
estratégia para conter a destruição florestal permanece sendo a mesma empregada
desde sempre, sem resultados efetivos: exercício do poder de polícia. Em outras
palavras, fiscalização, autuação e imposição de penalidades – mecanismo que,
apesar de exigir anualmente o investimento de exorbitante soma de recursos, não
traz alternativa de renda ao produtor e, quando muito, afeta apenas as
situações irregulares e o desmatamento ilegal. (Para ler mais, acesse: http://www.andiroba.org.br).
Ainda que de forma paulatina e circunstancial
os avanços vieram, e no início da década de 2010 começaram a ser negociados, em
bolsas de valores ao redor do mundo, os primeiros projetos destinados a
remunerar produtores que mantinham em suas propriedades sumidouros de carbonos
– ou seja, áreas de floresta nativa que captam e estocam CO2.
Mas só a partir da celebração, em
2015, do Acordo de Paris – pacto decisivo para a mitigação dos efeitos do
aquecimento do planeta –, o sistema de pagamento por serviços ambientais começou
de fato a ganhar força, abrindo assim caminho para o reconhecimento do valor
comercial da biodiversidade florestal na Amazônia.
Agora, finalmente, pode-se dizer
que o caminho está sedimentado.
Ocorre que a COP 26, que teve
lugar em Glasgow, Escócia, em novembro do ano passado, sistematizou as regras
para a comercialização, em escala mundial, dos títulos de crédito de carbono –
estabelecendo, desse modo, as bases para o funcionamento do denominado mercado
regulado internacional de carbono. (Para ler mais, acesse: http://www.andiroba.org.br/artigos).
No âmbito desse mercado, e sempre
sob a chancela da ONU, os países organizarão seus próprios sistemas nacionais
de certificação e comércio, os quais devem se encarregar, entre outras, de 3 incumbências
principais: contabilizar as áreas de floresta mantidas para fins de sequestro e
estocagem de CO2; precificar essas áreas, de acordo com o volume de
biomassa florestal ali quantificado; e aplicar mecanismos garantidores de
rastreabilidade e credibilidade dos títulos negociados.
É aí que entra o Decreto 11.075/2022, editado em 19 de maio último, e que instituiu o
Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa - Sinare, cuja
operacionalização ficou a cargo do Ministério do Meio Ambiente.
Além de funcionar como plataforma
de registro de emissões e sumidouros de carbono, apurando e inventariando o
volume de CO2 que o país joga na atmosfera e remove dela, ao Sinare compete
ainda o credenciamento das empresas que atuarão como certificadoras e centrais
de custódia, bem como os procedimentos relacionados à comercialização dos créditos
certificados e à integração do sistema brasileiro com o mercado internacional
regulado pela ONU.
Agora não tem mais volta, a inserção
das florestas no mercado é uma realidade, já não depende de vontade política
dos governos.
Passados 30 anos da Rio 92, o
mundo reconhece o valor econômico da biodiversidade florestal. Eis o remédio para
as mazelas da Amazônia.
*Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política
Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).
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