Biodiversidade florestal da Amazônia, serviços ecossistêmicos e o preço
*Ecio Rodrigues
Ao vociferar que os países ricos
devem pagar para não desmatarmos a Amazônia, o governo brasileiro, além de se
rebaixar ao nível de um chantagista ordinário, erra na estratégia, desconsiderando
o potencial econômico da biodiversidade florestal da região.
Por óbvio, a chave da questão não
reside no pagamento – já que essas nações há muito tempo se dispõem a nos financiar,
a fim de que cumpramos nossa responsabilidade perante a humanidade –, mas sim
no que os tributaristas chamam de “efeito gerador”.
Nenhum país, por mais boa vontade
que tenha, aceitará pagar quando o Brasil evidencia incapacidade para honrar os
compromissos assumidos perante um pacto civilizatório destinado a evitar o
aquecimento do planeta, como é o caso do Acordo de Paris, celebrado em 2015 por
195 países associados à ONU.
Entretanto, certamente todos os
países anuirão em remunerar os serviços prestados pela biodiversidade florestal
da Amazônia na redução do estoque de carbono na atmosfera; conservação da fauna
e da flora; qualidade do ar e da água etc. – os chamados serviços ecossistêmicos.
O termo foi cunhado no âmbito da
Convenção da Diversidade Biológica, ou simplesmente CDB, assinada durante a Rio
92 – diante da constatação de que a valoração de ecossistemas era inadiável, demandando
a concepção de metodologia apropriada.
Ocorre que, longe de atrapalhar o
crescimento da economia, a existência de ativos ambientais em países menos
industrializados poderia funcionar como expressiva fonte de receitas.
Dessa forma, a partir de 1992 os
países passaram a desenvolver métodos para estabelecer preço aos serviços
ecossistêmicos fornecidos por cada hectare de biodiversidade florestal – sendo o surgimento do
mercado de carbono um dos resultados desse esforço.
Por meio do Ipea (Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas) e de toda a rede de universidades federais, o
Brasil avançou muito no assunto, produzindo considerável lastro teórico sobre o
tema.
Vieram da teoria econômica
os rudimentos do método desenvolvido para
calcular o preço do serviço ecossistêmico oferecido pela floresta na Amazônia, que
foi baseado no tradicional custo de oportunidade da terra.
Grosso
modo, trata-se de oferecer ao produtor que maneja um hectare de biodiversidade
florestal uma compensação em dinheiro equivalente ao que ele embolsaria se
desmatasse a terra para o uso agropecuário.
Fácil
perceber que o cálculo se funda numa premissa bastante questionável – pela qual
o produtor tem o direito de desmatar e portanto deve ser recompensado para
abrir mão desse direito –, quando o paradigma deveria outro, a saber, remunerar
o detentor de áreas de florestas pelos serviços de produção e purificação de
água e ar, manutenção da diversidade biológica e do equilíbrio climático (citando
apenas os serviços ambientais mais corriqueiros).
Além disso,
esse método se mostrou complexo e impreciso, chegando a determinar um valor muito
elevado para a remuneração a ser paga, entre 45 e 75 dólares por hectare, de
acordo com a produtividade observada em cada tipo de solo.
Tal
valor teve como referência os lucros obtidos com a produção de soja, sem dúvida
o maior custo de oportunidade da terra na Amazônia, contudo, é uma cifra bem superior
ao custo de oportunidade representado pela criação extensiva de gado, atividade
que ocupa no mínimo 70% da área desmatada em toda a região e bem mais que isso nos territórios do Acre, Amapá, Roraima e Amazonas.
Mas, deixando
as controvérsias metodológicas à parte, o ponto aqui abordado é a estratégia empregada
pelos gestores na negociação com os países doadores para lograr alcançar o que o
mundo espera dos brasileiros, o fim de todo e qualquer desmatamento na floresta
amazônica.
Ao
invés de aproveitar a oportunidade para discutir o preço dos serviços
ecossistêmicos e obter recursos necessários à remuneração dos produtores, o
governo optou por fazer chantagem rasteira – e, como sempre, de uma maneira estúpida,
demonstrando indesculpável desconhecimento a respeito da Amazônia.
No
final das contas, a própria incapacidade do Brasil para coibir o desmatamento (de
longe a maior ameaça à biodiversidade florestal) foi usada como pretexto na
exigência do pagamento. Em outras palavras, o país tenta usar em seu benefício
a própria torpeza, algo absolutamente antiético, que jamais irá sensibilizar ou
impressionar a comunidade internacional.
Negociações
em andamento para a Conferência da ONU de Glasgow, que se realizará em novembro
próximo, mostram que o momento é oportuno à apresentação de uma estratégia
propositiva para zerar o desmatamento, o ilegal e o legalizado.
E o
caminho é simples: o serviço ecossistêmico prestado pela biodiversidade
florestal da Amazônia tem preço.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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