Após recorde de queimadas em 2016, setembro cinza novamente no Acre
Desde os idos de 2005 que, tal qual uma
ladainha, este articulista vem reiterando o alerta quanto à
permissividade do Governo do Acre em relação às queimadas.
Sob a chamada “Campanha para o Acre não
queimar em 2010”, foram publicados mais de 20 artigos jornalísticos e
realizadas cerca de 50 palestras, demonstrando-se, com abundância de
dados, que não há argumento aceitável que justifique essa perniciosa
prática agrícola.
Inicialmente, procurou-se esclarecer,
inclusive, que o duvidoso “direito” do produtor à queima, sempre
suscitado para a legitimação institucional das queimadas, não se
sustenta.
Ocorre que, diferentemente do que se apregoa, o Código Florestal não autoriza o produtor a queimar. A hipótese de uso do fogo,
prevista na norma e usada para motivar o licenciamento das queimadas em
âmbito estadual, refere-se, na verdade, à possibilidade de o produtor
fazer uso do fogo de forma pontual, exclusivamente no intuito de
concluir a limpeza de áreas recém-desmatadas para cultivo.
Decerto a medida prevista na legislação
federal também é nociva, mas se trata de ação excepcionalíssima, a ser
praticada uma única vez nas novas áreas abertas a cultivo, com o
objetivo de facilitar a limpeza da pausada resultante do desmatamento da
floresta.
Em termos de consequências, portanto, não
tem comparação com a queimada, que é executada anualmente como meio de
proporcionar fertilidade ao solo, acarretando efeitos intoleráveis.
Outra alegação refutada nos artigos diz
respeito à premissa de que o pequeno produtor precisa queimar para “não
passar fome”. De novo, mediante sólida argumentação, demonstrou-se que
não há relação entre queimada e fome.
O fato é que essa figura do produtor
esfomeado, a ponto de ter que queimar para não morrer, não existe – nem
mesmo durante o primeiro ano dos assentamentos para reforma agrária,
pois o chamado Crédito Instalação, disponibilizado pelo Incra, garante a
segurança alimentar dos assentados.
Na verdade, basta uma ligeira análise de
viabilidade para se concluir que, se a produção rural no estado se
baseia na necessidade de aplacar a fome, não há razão econômica para
queimar, melhor seria fornecer uma cesta básica mensal ao pequeno
produtor.
Finalmente, depois de jogar por terra o
suposto direito à queima e desmistificar a pseudofome do produtor, o
terceiro foco da campanha derrubou o pretexto de que não existe
alternativa técnica para a queimada.
Esse argumento, que deixa os
pesquisadores da Embrapa de cabelo em pé, chega a ser absurdo, diante do
conjunto de possibilidades técnicas concebido por essa importante
instituição de pesquisa para a fertilização do solo.
Bem, todos estão cientes de que a
campanha foi um retumbante fracasso: não só o Acre continuou a arder em
2010 e nos anos seguintes, como as queimadas continuaram a ser
licenciadas, tendo apresentado tendência de elevação desde então,
chegando ao recorde registrado em 2016, quando foram contabilizados
6.987 focos de calor.
Isto é, segundo o prestigiado e
inquestionável Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, desde 1998,
quando se iniciaram as medições, não se queimava tanto em território
estadual (exceção feita aos incêndios florestais ocorridos em 2005).
Em vista desse abominável recorde, era de
se esperar alguma atitude dos gestores públicos, nem que fosse uma
suspensão temporária dos licenciamentos. Mas, não. Nada aconteceu, e
mais uma vez as cinzas cobrem o nosso céu.
Desnecessário reafirmar que os custos
econômicos, ambientais e sociais decorrentes da condescendência do
governo para com as queimadas são bem superiores ao insignificante
retorno trazido pela produção de arroz, feijão, milho e macaxeira.
A permanecer a política pública que favorece a queimada, os setembros continuarão cinza no Acre. Disso podemos ter certeza.
Ecio Rodrigues
Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal,
especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável
pela Universidade de Brasília.
Comentários
Postar um comentário