A bolsa e a madeira



* Ecio Rodrigues
Embora a notícia tenha passado despercebida pela imprensa, que geralmente prefere divulgar as improfícuas e espalhafatosas investidas em fiscalização realizadas pelos órgãos de monitoramento ambiental, é bem provável que o mercado ilegal de madeira na Amazônia tenha sofrido seu mais duro golpe.
Numa inusitada saída encontrada pelos próprios agentes econômicos que operam no mercado de madeira serrada (para quem não sabe, “mercado” é uma entidade costumeiramente demonizada pelos ambientalistas ortodoxos e pouco informados) parece estar a solução para encerrar um ciclo interminável de produção e consumo de madeira extraída de forma ilegal na Amazônia.
Antes de continuar, é preciso esclarecer um ponto importante. Há uma confusão temerária que se faz entre a madeira legalizada e a madeira extraída sem atender às rigorosas prescrições de manejo desenvolvidas pela ciência florestal brasileira para a Amazônia nos últimos 40 anos.
Quer dizer, a extração ilegal de madeira com certeza não se dará sob a tecnologia de manejo florestal – causando, portanto, estragos perigosos para a conservação da floresta explorada. Todavia, e é aqui que mora o perigo, madeira legalizada não é sinônimo de madeira manejada. Se a madeira for oriunda de um desmatamento legalizado (uma área destinada a pastagem, p. ex.), essa madeira é legal, independentemente de ser manejada.
Enfim, a distinção crucial a ser feita é que no mercado legalizado de madeira serrada amazônica existem 3 produtos diferentes, com valores de venda igualmente diferenciados e, o mais importante, cuja exploração causa consequências significativas para a sustentabilidade da floresta.
A madeira legalizada mas não manejada é a menos valorizada e funcionaria como primeiro degrau para o empresário do setor chegar à produção de madeira manejada.
Na condição de produto superior, a madeira manejada, por sua vez, possui maior preço de mercado, em face da garantia de uma produção permanente e sustentável do ponto vista ecológico, que conserva as relações entre as espécies presentes na floresta.
Embora não existam dados sobre o processo de maturação do mercado de madeira certificada, pode-se dizer que a madeira certificada é o produto final e mais valorizado da cadeia produtiva da madeira serrada, pois o selo comprova que a exploração ocorreu com aplicação da técnica de manejo e respeito às regras trabalhistas, entre outras exigências do certificador. No âmbito da Amazônia, o selo mais reconhecido é o outorgado pelo FSC (Forest Stewardship Council).
Voltando ao duro golpe sofrido pelo comércio ilegal de madeira serrada amazônica, a partir deste ano, 2016, a Bolsa de Valores Ambientais, associada ao Instituto Bolsa Verde Rio, passará a negociar lotes de madeira – mas exclusivamente madeira legalizada.
Para assegurar a legalidade da madeira a ser comprada por interessados mundo afora, foi organizado um complexo sistema de cruzamento de informações, que inclui bancos de dados sobre produtores e empresas transportadoras, rastreia autuações aplicadas pelo Ibama e até consulta (via Renavan) o registro de veículos utilizados no transporte.
Espera-se que a Bolsa de Valores logre fazer o que a fiscalização estatal não é capaz: ampliar o mercado de madeira legalizada na Amazônia.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Comentários

  1. Desde que passou a ser necessária a aprovação de plano de manejo ou de exploração para se derrubar árvores na Amazônia, ainda na década de 1980, que os governos se debatem para controlar a exploração ilegal de madeira. Todavia, a ação pública vem acumulando fracassos estupendos, e até hoje a quantidade de madeira que é explorada e transportada ilegalmente é absurda. Agora, com a decisão da Bolsa de Valores Ambientais de comercializar lotes de madeira com legalidade comprovada, é possível que o próprio mercado ajude a superar um problema que os órgãos estatais não conseguem resolver.

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